sábado, abril 02, 2005

Rodear Repetidamente a Ponta do Nariz com o Indicador

Há uma altura em que finalmente compreendemos que os contos de fadas não são, afinal, devaneios de uma desmesurada imaginação mas antes retratos bastante fiéis da realidade, essa vencedora incontestável do confronto entre o inesperado improvável versus o calculável previsto. Hoje, ao ver o primeiro-ministro Sócrates ladeado do escuro Costa e do sortudo Freitas, pensei nisso. Image hosted by Photobucket.com
Freitas, o homem que demorou a vida inteira a arrumar as ideias (isto, se é que já acabou), é um sortudo. Nesta altura, as previsões mais optimistas dá-lo iam num qualquer discretíssimo e compassivo tacho e pronto. Rejeitado pelos seus que há muito o não reconhecem como um deles; evitado pelos outros que com ele se assustaram, como nunca, aquando da sua corrida à presidência, acabaria pacificamente os seus dias, meditando, rezando, para finalmente se encontrar. Image hosted by Photobucket.com
Costa, de cujo trabalho os funcionários gostam, estaria mansamente a deixar explorar essa sua virtude num recatado cargo de trabalho. Este homem, o do telefonema a Ferro (“então, pá...”, “o gajo, pá...”, uma mistura de “falam, falam...” com esterco) nunca estaria à direita d’O Eleito.
Nesses lugares estariam, como é vontade do povo, extensões do Sócrates idealizado. Homens limpos, entusiasmados com a sã ilusão de um projecto de mudança, homens exemplares, missionários de uma nova maneira de estar.
Todavia, com a naturalidade real do impensável que sempre acontece, ao lado de Sócrates, quais ratos transformados em alvos garanhões, estão Costa e Freitas. Queríamos lucidez, metodologia, pioneirismo; saiu-nos magia.
Capturados pelo espírito de Lisboa (que não suporta nem permite nada disso) os nossos políticos não conseguem libertar-se do queirosiano retrato da capital e, vítimas de encantamento, logo começam a condescender à mediocridade.
Ladeado de um português típico, vulgar, avesso ao Sonho e de um confundido ancião, quanto tempo aguentará Sócrates sem evidenciar sintomas destas influências? A indecisão e a vulgaridade espreitam, preparando o salto.


G, o Desconfiado

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