quarta-feira, dezembro 03, 2003
A paranóia do tempo
Houve um tempo em que o Homem não tinha maneira de medir o tempo. Ele já tinha o conceito de tempo; Já o sabia avaliar (pela observação de acontecimentos específicos) mas não tinha maneira de o medir. E começou a corrida para inventar relógios.
Para níveis superiores ao atómico essa corrida está terminada. A medição do tempo é, nos nossos dias, correcta e pública para todo o planeta. Não só isso como toda a nossa vida é agora feita em função dos relógios. Não é de estranhar pois que estejamos rodeados de relógios por todo o lado. Por todo o lado, mesmo.
O que é de estranhar é a enorme quantidade de publicidade a relógios, daqueles caros, que se pode encontrar nos media, e que corresponde sem dúvida a uma enorme quantidade de relógios, daqueles caros, vendidos. Dado que estamos rodeados de horas certinhas por todo o lado, quem é que compra tal produto tão evidentemente obsoleto? E que nos diz este facto acerca da natureza humana?
Vejamos com factos ao que me refiro: Consideremos a Visão. Seja, aleatoriamente o nº 559 de Nov. 2003. Anúncios de página inteira ,temos:
Longines - long jeans, calças compridas
Panerai - o preferido dos pane..
Hublot - para os filósofos
Boss, Hugo Boss - para os que gostam de dizer o nome à Bond, James Bond
GP, Gerard-Perregaux - para os que apreciam fórmula 1
Audemar Piguet - para os criadores de galinhas
Zodiac - para os signos de Ar
Breitling - para os antigos pilotos, de 1884, perdidos no Triângulo das Bermudas
Rado - para os que não sabem dizer os ii
Zeno-Watch Basel - para os amblíopes
Cross Engineering - para os adeptos da micromecânica que não sabem escrever micromecânica
Swatch - para os que gostam de andar com os pertences de outrém. Encontramos ainda, em meia-página: Oris - para os amantes de rotores vermelhos
e finalmente, num modesto mas presente quarto de página:
Certina - o preferido pelos executantes de concertina.
São 14 no total. Muito mais material do que o usado em mulheres semi-nuas. Deve haver aqui qualquer coisa de errado.
Façamos um exercício de imaginação: Imaginemos o suposto cliente destes objectos. Lá está ele, como eu o vejo, sentado no seu local de 'trabalho', sem dúvida um galho de um qualquer instituto desses cuja existência ninguém jamais desconfiará sequer, a ler os reclamos de revistas. Tem o seu relógio de pulso.
Não é de todo impossível que, perdido algures nas sua calças, exista também um relógio de bolso, esquecido.
Tem o relógio de parede.
Há um de secretária, de cristal, muito giro.
Tem o do telemóvel e o do computador.
A tv tem relógio.
O rádio tem relógio, a calculadora tem relógio.
Toda a gente que por ali passa está carregadinha de horas certas.
E contudo ele vai olhando com indisfarçada cobiça os anúncios da revista que tem em mãos. (Se for uma revista portuguesa - e claro que é, pois o nosso herói não sabe outra língua (aprouvesse aos céus que soubesse português, que também não é o caso) - terá que chegue até ao almoço.
Não compreendo isto. tenho a sensação de que me está a escapar algo, ou, o que é pior, de que estou a perder
tempo.
G, o pontual
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1 comentário:
Zodiac: também para serial killers (ver filme Zodiac de David Fincher)
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